Reitores criticam decreto estadual que altera estatuto da Fapemig

O reitor da UFV, Demetrius David da Silva, participou de audiência pública na ALMG e defendeu autonomia do órgão estadual que fomenta pesquisas científicas

Reitores criticam decreto estadual que altera estatuto da Fapemig

Reitores e pró-reitores de universidades federais, representantes de institutos de pesquisa, entidades científicas e de pós-graduandos presentes em audiência na última quarta-feira (20) criticaram de forma unânime decreto do governo mineiro que alterou o estatuto da Fapemig, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais.

O decreto em questão é o 48.715, de outubro de 2023, pelo qual a presidência do Conselho Curador da Fapemig passa a ser exercida por servidor da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sede) e perderia sua função original de deliberar sobre o plano de ação e o orçamento anual da fundação. O presidente e o diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da fundação passam a ser indicados pelo governador, sem necessidade de cumprimento de mandato.

Os impactos da norma foram debatidos na Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Todos os críticos ao novo estatuto apontaram que ele fere a autonomia de gestão da Fapemig e defenderam que sejam aprovadas pelos deputados mudanças na Constituição do Estado para assegurar a independência da fundação.

Nesse sentido, as falas foram de apoio à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de iniciativa da deputada Lohanna (PV). O texto garantindo autonomia científica e administrativa à Fapemig precisa de pelo menos 26 assinaturas de deputados para poder ser protocolada na ALMG. No momento da reunião havia 20 assinaturas, segundo a parlamentar.

Outra iniciativa que também recebeu apoio de gestores de instituições de ensino e pesquisa foi o Projeto de Resolução 27/23, da presidenta da comissão, deputada Beatriz Cerqueira (PT), sustando os efeitos do decreto.

Em fala que resumiu o sentimento geral que predominou na audiência, o pró-reitor de Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fernando Marcos dos Reis, disse que as mudanças comprometem a perenidade e a sustentabilidade da fundação, que, segundo ele, pode vir a ser enfraquecida ao ser colocada na hierarquia do governo: "A Fapemig foi pensada e criada como órgão permanente de Estado, e não de governo. Com as mudanças (no estatuto), ela desce três degraus, e passa a ser um mero órgão burocrático de quarto escalão, passa a ser um marionete do governo".

Risco de enfraquecimento da fundação é apontado

Ao fazer coro à defesa de uma PEC tratando da Fapemig, os reitores da Universidade Federal de Lavras (Ufla), João Chrysostomo de Resende, e da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Heron Laiber Bonadiman, lembraram que Minas tem o maior complexo de instituições federais do País.

Eles frisaram que são 11 universidades federais, cinco institutos federais e mais o Cefet, sem falar nas universidades estaduais, e defenderam que um complexo desse tamanho não pode ficar à mercê da conveniência de governos.

"Sem previsibilidade não se tem como avançar na ciência e na tecnologia. O investimento tem que ser de Estado e de longo prazo, e não de um governo ou outro", também se manifestou Demetrius David da Silva, gestor da Federal de Viçosa (UFV).

Os riscos de ingerência política na ciência trazidos pelo decreto foram apontados também por membros da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pelos reitores das Universidades Federais de Uberlândia, Carlos Martins da Silva, e de São João Del Rei, Marcelo de Andrade, entre outros. Este último ainda pontuou ter sido nomeado para o cargo pela gestão anterior do governo federal, mas que seria preciso considerar que o meio científico passou por momentos de "vergonha" à época.

"Foi um governo que defendia, por exemplo, a cloroquina para tratamento (da Covid-19). Precisamos de liberdade e autonomia para o desenvolvimento da ciência", ilustrou ele para defender que órgãos como a Fapemig não dependam de interesses dos governos vigentes.

Rafael Bastos, reitor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais, avaliou que a presença na audiência de tantas universidades demonstra que há uma união institucional à altura da importância da Fapemig.

Governo defende novo modelo

Apesar das críticas, as mudanças no estatuto da fundação foram defendidas pelo secretário executivo da Secretaria de Estado Adjunta de Desenvolvimento Econômico, Guilherme da Cunha, que é o representante da pasta no Conselho Curador. 

Segundo Guilherme da Cunha, a mudança no modelo de governança da fundação foi pensada para trazer um maior alinhamento entre a formulação e o planejamento da política de ciência e tecnologia do Estado e seu principal órgão executor, que é a Fapemig.

Esse alinhamento, segundo ele, não trará ingerência da Sede em projetos da Fapemig. O gestor ainda afirmou que o modelo trazido pelo decreto estadual "é quase que uma cópia absoluta do modelo do CNPq", referindo-se ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Ele argumentou que o CNPq teria um modelo consolidado, vigente há décadas, mantendo-se por diferentes governos na esfera federal.

Guilherme da Cunha também disse que as mudanças trazidas pelo decreto têm o objetivo de trazer maior capilaridade à pesquisa e à inovação no Estado. Por fim, ele pediu que as alterações passassem por um teste antes de qualquer reivindicação de mudança.

Comissão vê impasse

A deputada Lohanna discordou da fala do representante do Executivo quanto a aguardar por resultados antes de criticar o decreto. "É inadmissível pensar num conselho curador que não tem mandato e que não pode ser mudado na Fapemig", frisou ela ao apontar que esse é um dos impactos do decreto que a PEC pretende atacar.

A presidenta da comissão também criticou ao final a fala do representante da Sede em que ele defendeu o alinhamento da Fapemig ao planejamento da política de pesquisa. "Os governos mudam, ficaremos então (com o alinhamento), sempre à mercê do humor de governos e secretários?", criticou Beatriz Cerqueira.

Avaliando que a audiência resultou num impasse, ela disse que, além da defesa da PEC e de invalidação do decreto, iria propor uma nova reunião com as instituições para definir os próximos passos da mobilização em defesa da Fapemig.