Especialistas questionam minuta do novo Plano Diretor
O anteprojeto do novo Plano Diretor de Viçosa, que delimita a ocupação, o uso do solo e o zoneamento urbano do município, foi entregue ao Poder Executivo no último dia 5 de abril. O jornal Folha da Mata ouviu engenheiros, arquitetos e urbanistas para saber quais serão os possíveis impactos causados pelo Plano, caso se torne lei sancionada pelo prefeito.
Na opinião de alguns especialistas, se aprovado, o novo Plano Diretor causará fechamento de negócios, perda de empregos e desestímulo à atividade empresarial, principalmente na construção civil em Viçosa. Opinam, por exemplo, que o anteprojeto – encomendado pela Prefeitura à UFV – não levou em consideração as especificidades de Viçosa e sua aplicação na prática pode agravar ainda mais a recessão econômica no município. Os profissionais ouvidos por este jornal, que pediram para não terem os nomes citados, apontaram inconsistências e incoerências na iniciativa e questionam a falta de clareza nos critérios adotados para definir as novas regras.
Sobre a redefinição das zonas de ocupação das áreas urbanas, que segundo os críticos ignorou os empreendimentos instalados há décadas na cidade e torna irregular diversos negócios, o advogado Randolpho Martino Junior disse que o “trabalho de revisão do Plano Diretor foi feito com base em critérios técnicos e seguindo as metodologias aprovadas pelo Conselho das Cidades, órgão vinculado ao Ministério da Cidade”. Segundo ele as normas de elaboração e revisão do Plano Diretor constam das Resoluções 25 e 34/2015 do Conselho das Cidades. “As metodologias nos levam a considerar todos os aspectos de cada zona, inclusive os empreendimentos já instalados e as potencialidades de crescimento econômico e social de cada uma”. O advogado, que também trabalhou na revisão do PDV, afirmou ser improcedente a informação de que o novo Plano Diretor irá tornar irregular diversos negócios. “A lei não pode retroagir para prejudicar o ato jurídico perfeito e o direito adquirido. Isto é um princípio constitucional”, afirmou Randolpho.
Mas, de acordo com o PDV, cada região da cidade (zona) tem uma lista de atividades comerciais, serviços ou indústrias que podem ser abertas no local. Em determinados bairros, por exemplo, não poderá haver fábricas de móveis ou de estruturas metálicas, mas no entendimento do advogado consultado pelo jornal, os direitos daquelas que já estão em funcionamento estão garantidos, ou seja, a lei será aplicada somente para futuros empreendimentos.
Os especialistas também criticaram o novo limite de construção para as áreas de preservação permanentes (APPs). Eles apontaram que a distância de pelo menos 30 metros inviabiliza a construção de novos empreendimentos e compromete a regularização das obras antigas.
Sobre o assunto o advogado disse que já existem os limites fixados no Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/12) e a lei municipal não pode dispor de forma contraditória. “Como parâmetro disto, citamos que a Lei Municipal nº 1.420/00 foi julgada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais nos artigos em que fixou área de preservação permanente menor que o Código Florestal. A Comissão Gestora da Revisão do Plano Diretor levou em consideração as imposições da lei federal, bem como a decisão do nosso caso, específico (Lei nº 1.420/00), quando tivemos uma lei invalidada pelo Tribunal”. Mas, para outro entrevistado pelo jornal, “deveria ser feito um estudo mais aprofundado com relação às áreas já antropizadas (onde há ocupação do homem, exercendo atividades sociais, econômicas e culturais sobre o ambiente) dentro do perímetro urbano de Viçosa, para, aí sim, estabelecer limites coerentes com a realidade do município, como foi feito em Ponte Nova, onde houve anuência do Ministério Público local”, explicou. Em Ponte Nova, o limite é de cinco metros.
Outra incoerência apontada é sobre os afastamentos frontais das edificações em relação às vias públicas e às rodovias dentro da zona urbana. Não há um critério bem definido para esses afastamentos, fazendo com que cada zona tenha uma distância regulamentar diferente. Ainda há casos em que, numa mesma via, possam ocorrer afastamentos diferenciados por edificação, causando insegurança a quem pretende empreender no local.
Para um dos especialistas, o novo Plano Diretor deve incentivar as pessoas a regularizar as obras que estão em desacordo com a lei, e não puni-las. Mas ele acredita que um dos grandes problemas do município é a falta de uma “efetiva fiscalização”, pelo Poder Público, e que a regularização trará benefícios para Viçosa.
Na avaliação do advogado Randolpho Martino, o Plano Diretor deve ser destacado positivamente, pois cumpriu uma metodologia científica estabelecida pelo Ministério das Cidades, além de contar com profissionais de alta qualificação. Acrescentou que “o PDV reflete a vontade soberana da população para definir os rumos de crescimento da cidade”.
Casa do Empresário
Consultado a respeito da nova minuta do PDV, o presidente da Casa do Empresário, Paulo Márcio de Freitas, disse que várias reuniões vêm acontecendo desde o final do ano passado, envolvendo a classe empresarial da cidade, principalmente aquelas ligadas ao setor da construção civil.
Segundo ele, foram identificados alguns pontos que podem comprometer o desenvolvimento econômico da cidade, quando aspectos sociais e ambientais deixam de ser considerados.
Sugestões de alterações ao modelo original do Plano, principalmente em relação a concepção de normas e procedimentos na área da construção civil, e também na classificação e zoneamento dos setores comerciais da cidade, já foram encaminhadas ao prefeito Ângelo Chequer.
Paulo Márcio acrescentou que a proposta de zoneamento comercial talvez seja a de maior polêmica. "A intenção da Casa do Empresário é chegar a um denominador comum, em que a regulamentação exista, com a razoabilidade necessária para garantir o desenvolvimento sustentável, considerando também os setores empresariais que compõem o tripé deste desenvolvimento", afirmou o presidente.
O PDV
De acordo com o arquiteto Italo Stephan, o Plano Diretor de Viçosa (PDV) começou a ser elaborado em 1998 e para a sua formulação foi formada, à época, uma equipe com técnicos da prefeitura e com professores da UFV, coordenada pelo Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Ele foi entregue ao prefeito da época e aprovado pela Câmara Municipal em 2000, com os principais ganhos da criação do Instituto de Planejamento Municipal (Iplam) e do Conselho Municipal de Planejamento de Viçosa (Complan).
A proposta foi aprovada na Câmara Municipal em 2000, quando a versão da lei do uso do solo encaminhada para votação foi alterada. A faixa non aedificandi de 15 metros ao longo das margens dos cursos d’água foi reduzida para 10 metros, em total desacordo com a Lei Federal 6766.
Seis anos após sua aprovação, o PDV teria de ser revisto para adequação ao Estatuto da Cidade. Em 2005, a população já ultrapassava os 72.000 habitantes.
Revisão
Para a revisão do Plano Diretor de Viçosa, o então prefeito Celito Sari assinou o Decreto 4.726/14, no dia 10 de junho de 2014, nomeando a Comissão Gestora do Plano Diretor.
Dois anos e meio depois do início dos trabalhos, passando por reuniões temáticas com associações de moradores, audiências públicas na Câmara Municipal e nos bairros, o documento ficou pronto e será encaminhado à Câmara Municipal para aprovação ou não.
Qualquer emenda que por ventura seja sugerida deverá passar pelo crivo de uma audiência pública, ou seja, todo o processo deverá ser feito novamente.
Perguntado se a nova minuta terá respaldo dos vereadores e se será aprovada em plenário, Randolpho disse que é uma resposta difícil de ser dada, mas que os vereadores têm autonomia para decidir pela sua aprovação ou não. “O que posso dizer é que o Plano constitui um documento elaborado com a melhor técnica possível e que reflete a vontade soberana da população”, finalizou.
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