Vazamento da Barragem do Fundão em Mariana - Engenheiro viçosense dá esclarecedora entrevista ao Folha de São Paulo

Vazamento da Barragem do Fundão em Mariana - Engenheiro viçosense dá esclarecedora entrevista ao Folha de São Paulo

“Qualquer engenheiro faria cálculos que fiz em Mariana (MG)”, diz o engenheiro que é doutor em engenharia civil pela Universidade Federal de Viçosa.
Na entrevista, o engenheiro Samuel Paes Loures, 34, que foi incluído em inquérito, das polícias Civil e Federal, que apura as responsabilidades pela tragédia, dá importantes esclarecimentos sobre o ocorrido e faz desabafos.
Ele foi acusado de ter ignorado dados do laudo que media o nível da água, instalado no ponto onde, segundo as investigações, houve a ruptura.
Na entrevista, o hoje ex-funcionário da VogBR, contratada pela Samarco, falou com exclusividade à Folha de São Paulo, sobre seu trabalho em 2 de julho, quatro meses antes da tragédia, quando esteve no reservatório da mineradora.
Ele diz entender que “houve equívoco na leitura do relatório. Loures diz que todos os instrumentos estão em seu banco de dados e foram analisados – exceto os que tinham defeito”. E nega ter visto sinais de alerta: "A condição de estabilidade que fiz é uma foto de julho de 2015."
Sua defesa alega que o indiciamento ocorreu antes que ele pudesse se explicar. “Loures virou um dos alvos centrais das investigações desde que, em dezembro, o projetista de Fundão, Joaquim Pimenta de Ávila, disse à PF que estranhava o fato de o engenheiro ter declarado que ignorou alguns instrumentos”. Ele revelou que foi o único indiciado fora dos quadros da Samarco e que sua casa foi a única a ser alvo de buscas.
Leia a transcrição dos principais tópicos da entrevista do engenheiro, a seguir:

“VISITA A FUNDÃO
Agendamos visitas para 1º e 2 de julho em todas as barragens. Em Fundão, foi feita na manhã do dia 2. Só ali, percorremos 2,5 km. Levou de quatro a cinco horas. Existe um protocolo, que seguimos. Tirei mais de 200 fotos e transformamos o que coletamos em fichas de inspeção.

RELATÓRIO DE VISTORIA
Com base nos dados da Samarco dos 365 dias anteriores e nas informações daquele dia em que fui lá, fiz um cálculo e avaliei a estabilidade. Havia surgência [espécie de bica de água] na ombreira [lateral] direita, que foi tratada. Verificamos que a água saiu cristalina [se fosse suja, indicaria que o material interno estava sendo carregado para fora, o que é perigoso]. Não havia nada grave. Os piezômetros [medidores da pressão da água no solo] mostravam elevação de água, mas é um fluxo controlado.
Solicitei continuar o monitoramento periódico, desobstruir a drenagem superficial, fazer o plantio de vegetação.

PIEZÔMETROS COM DEFEITO
Havia mais ou menos 70 piezômetros. Tenho os dados de todos. Apontei mais ou menos cinco com defeito, mas podia ler os que estavam no entorno deles. Não era prejuízo para a análise cinco piezômetros em 70.
Ninguém questionou os meus cálculos. Houve dúvidas no relatório [ele escreveu que piezômetros não foram analisados], mas foram esclarecidas. Infelizmente, pareceu que não havia visto todos, mas foram. Apresentei isso depois. Qualquer engenheiro faria os mesmos cálculos que eu fiz.

PIMENTA DE ÁVILA
Foi precipitada a fala dele à PF sobre um documento que é de minha responsabilidade, que defendo com unhas e dentes. Da forma como fez, parece que quis se resguardar. Achei ele extremamente antiético. Não vi a trinca [que Ávila apontou em 2014]. Soube disso no dia do meu depoimento.

INDICIAMENTO DA POLÍCIA CIVIL
A Polícia Civil em nenhum momento chamou a gente para depor [ela se baseou nos documentos da PF]. Toda essa situação foi precipitada, como o pedido de prisão preventiva. Não sei se vou ser preso. Não sabemos quais as forças envolvidas. Tudo que está nas nossas mãos nós estamos fazendo.

DIA DA TRAGÉDIA
Quando soube [da ruptura] claro que fiquei preocupado. "Poxa, mas o que aconteceu?". A primeira coisa que pensei é que a barragem estava em alteamento [elevação] e em operação contínua. Soube que estava quatro metros acima [em relação a julho]. Não avaliei a situação em novembro. A condição de estabilidade que fiz é uma foto de julho de 2015. E estava estável.

FUTURO PROFISSIONAL
Fiquei na VogBR até 31 de julho. Voltei para Viçosa, minha cidade, e abri uma construtora. Recebi cerca de 70 cartas de apoio de engenheiros. Sabem da minha competência. Tenho certeza de que isso vai ser esclarecido. O jornal local da minha cidade (Folha da Mata) publicou minha foto nas páginas policiais ao lado dos traficantes.

FILHOS
Tenho um de cinco e outro de um aninho. Conseguimos explicar para o de cinco, ele consegue entender. Os desenhos dele mudaram completamente, mostram tristeza, chuva, monstrinhos. Não tinha isso. Estou abalado”.