Pesquisadoras da UFV avaliam insetos para produção de farinha comestível

A farinha de insetos promete ser o ingrediente do futuro, repleto de proteínas, baixo impacto ambiental e versatilidade na indústria alimentícia

Pesquisadoras da UFV avaliam insetos para produção de farinha comestível

Parece estranho, mas, pelo menos, 110 países consomem regularmente insetos na dieta. Há 2.100 espécies presentes em hábitos alimentares da Ásia, África e América Latina. No Brasil, ainda não é comum comer insetos, embora a famosa farofinha de tanajura esteja presente nos cardápios do interior do país - dizem que é crocante e deliciosa. Em busca de alternativas para proteínas, a indústria de alimentos está de olho nos insetos e a ciência pode ajudar. E há motivos para isso.

Até agora, as carnes eram as principais fontes de proteínas para a dieta humana e, nelas, também estavam disponíveis algumas vitaminas necessárias à boa saúde. O problema é que a pecuária é responsável por grandes emissões de gases do efeito estufa; causa desmatamentos; ocupa grandes extensões de terra; consome muita água, e o gado demora a crescer e a engordar.

Em 2020, porém, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) apresentou algumas fontes alternativas de alimentos, dentre elas, algas e insetos. Elas seriam opções para a falta de suprimento nutricional diante de problemas previsíveis, como epidemias, mudanças climáticas e degradação ambiental. As produções destes “alimentos do futuro” podem ser locais, exigem pouco espaço, menos água e são altamente nutritivos. Para fazer as farinhas, os insetos são submetidos a jejum, congelados para que morram e, em seguida, são secos, para que possam ser triturados.

As pesquisas da UFV

A possibilidade de alternativas viáveis para a alimentação chamou a atenção de um grupo de pesquisadoras do Departamento de Nutrição e Saúde (DNS), da Universidade Federal de Viçosa. Os trabalhos, conduzidos pela professora Ceres Mattos Della Lucia, envolvem experimentos com grilo preto (Gryllus assimilis) e Tenebrio molitor, conhecido como larva-da-farinha. A equipe dela, formada por doutorandas e mestrandas em Nutrição e Saúde, avaliou a composição nutricional da barata d'água (Belostoma anurum). Apesar de ser uma grande novidade nos estudos com insetos comestíveis, a criação desse inseto é difícil e rende pouca quantidade de farinha.

Segundo a professora Ceres, o grilo preto e o Tenebrio molitor já são bastante estudados como bons provedores de proteínas. Tanto que já é possível comprar farinhas prontas. “No Brasil, a legislação ainda não permite o consumo desses produtos, como acontece em outros lugares do mundo, mas o acesso é permitido para pesquisas, embora ainda sejam muito caras”, esclareceu a pesquisadora. A equipe da UFV, porém, quis ir além do que se sabe e se dedicou a fazer a caracterização completa dessas farinhas, avaliando a qualidade das proteínas, os micronutrientes contidos nos produtos, a segurança do uso e como o ferro, presente nessas farinhas, é absorvido pelo organismo. “O tema é novo, mas tem grande potencial para o futuro. Por isso, nós queremos ter respostas para auxiliar escolhas alimentares alternativas como estas, caso sejam aprovadas no Brasil”, explicou.

Resultados

As pesquisadoras também avaliaram a digestibilidade desse tipo de proteína e o potencial de suas propriedades para a indústria de alimentos na fabricação de produtos. Os resultados foram promissores: “não pensamos nas farinhas de insetos como alimentos, mas sim como ingredientes que podem agregar valor nutricional e substituir outras farinhas para alérgicos e celíacos, por exemplo”.

Os estudos experimentais foram realizados com ratos de laboratório, o primeiro passo até chegar aos testes com humanos. Para avaliar os alimentos, alguns camundongos receberam ração sem nenhuma fonte proteica - o chamado grupo controle. Um segundo grupo recebeu a caseína, uma proteína do leite, chamada de padrão-ouro para esse tipo de estudo. Outros foram alimentados com farinhas de grilo com ou sem adição de farinha de soja, o que poderia tornar essas proteínas mais completas.

Ao avaliar os roedores, as pesquisadoras concluíram que o grupo que recebeu apenas farinha de grilo apresentou crescimento semelhante ao que foi alimentado com proteína animal. Além disso, foram os que mais consumiram a ração, mostrando a boa aceitação do produto. Os índices de qualidade proteica demonstraram que a farinha de grilo apresenta boa digestibilidade e a qualidade da proteína oferecida não se alterou quando a farinha de grilo foi misturada a leguminosas, como a soja. Outra boa notícia é que não foi observado nenhum sinal de toxicidade nos animais. Os resultados dos trabalhos já foram publicados  em revistas científicas.

Atualmente, pesquisas do mesmo grupo estão avaliando a biodisponibilidade de ferro nessas farinhas e seus efeitos em órgãos, como intestino e fígado. Em uma próxima etapa, as pesquisadoras irão avaliar a segurança do uso das farinhas em longo prazo, chamado de uso crônico e, depois, se houver interesse, chegar à etapa de testes com humanos. “Queremos desmistificar o consumo de insetos, divulgar seu potencial e fornecer dados que servirão de base para possíveis regulamentações de seu uso no Brasil”, concluiu a professora Ceres. A pesquisa recebeu apoio financeiro da Fapemig, CNPq e Capes.

Fazem parte ainda da equipe a doutoranda Lívya Alves Oliveira, as mestrandas Laura Célia Oliveira de Souza Vicente e Michele Lilian da Fonseca Barnabe e bolsista de iniciação científica Karina Vitoria Cipriana Martins.

 

Fonte: Universidade Federal de Viçosa