Semana do Fazendeiro: Troca de Saberes reflete sobre Revolução Agroecológica para superar crise climática
A 15ª Troca de Saberes, que acontece durante a Semana do Fazendeiro da UFV, começou oficialmente suas atividades na manhã de sábado (14) com a acolhida de seus participantes em uma cerimônia para saudação dos quatro elementos da natureza (terra, fogo, ar e água), tão ameaçados nos últimos tempos. Cada um deles foi saudado por representantes de diferentes matrizes religiosas, mostrando, como sempre foi a proposta da Troca, a diversidade da nossa cultura, a possibilidade de convivência entre os diferentes e, mais do que nunca, a necessidade de união para reequilibrar o planeta.
As atividades do evento, que termina na noite desta segunda-feira (16), vêm acontecendo em torno do tema Revolução Agroecológica para superar a crise climática. A gravidade do momento em que vive o planeta foi simbolizada em uma mística que gerou uma roda de conversa, para que representantes de diversas organizações presentes na Troca citassem os seus compromissos com a causa da emergência climática; sobre o que vêm fazendo para minimizar, por exemplo, dores e preocupações como as que foram reveladas pelo Cacique Soim, representante do povo Pataxó, que veio do município mineiro de Carmésia, localizado no Vale do Rio Doce. Ali, segundo ele, a exemplo de tantos outros lugares, a água e a floresta já não são abundantes e sofrem muito, especialmente com a mineração.
Tema
A coordenadora da 15ª Troca de Saberes, professora Josarlete Magalhães Soares, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, conta que a escolha do tema foi uma decisão coletiva. Sugestões de organizações envolvidas com o evento foram discutidas e alinhavadas pelos estudantes da disciplina PRE 400 (Troca de Saberes). A escolha pelo termo revolução está relacionada, segundo ela, às possibilidades abertas pela agroecologia, que propõe mudanças do sistema agroalimentar e um cuidado maior com o ser humano, de uns com os outros, e com o meio ambiente. Isso acaba gerando, em sua avaliação, uma revolução nas práticas, que se revelam, por exemplo, na diminuição do uso de agrotóxicos, no menor consumo de energia e de água, em menos emissão de CO2 e no uso de tecnologias sociais. Uma delas, e que pode ser reproduzida pelos agricultores, é a estrutura de bambu, mais orgânica e biológica, que sustenta os tecidos das tendas que abrigam as atividades da Troca de Saberes.
Para o presidente da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), José Nunes da Silva, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, a revolução tem a ver com as pequenas experiências que vão se constituindo nos territórios. E esta revolução, em sua opinião, não é mais silenciosa. “Se a gente olha no Brasil hoje há várias expressões em diferentes territórios da concretude dessa agroecologia. Aos poucos, ela vai revolucionando por meio das políticas públicas, da produção de alimentos saudáveis, da oferta nas feiras, da oferta na política nacional de alimentação escolar e do programa de aquisição de alimentos. Estamos revolucionando o jeito de compreender a natureza, de se relacionar com ela e de produzir alimentos saudáveis, como primeiro momento”.
José Nunes considera que eventos, como a Troca de Saberes, têm impulsionado a visibilidade da agroecologia. "Apesar das dificuldades conjunturais, vai se avançando no que é possível". O presidente da ABA destaca que Viçosa tem uma história inédita e motivada pela presença do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata mineira (CTA-ZM), que, juntamente com um grupo de ONGs, iniciou toda essa história no final dos anos 1980. Isso acabou fazendo, em sua avaliação, com que a UFV garantisse um espaço para a agroecologia com a Licenciatura em Educação do Campo e a pós-graduação em Agroecologia, que contam em seus quadros docentes com pessoas que fundaram o CTA.
Para José Nunes, a Troca de Saberes “é um momento em que a Universidade se abre para um diálogo entre a ciência acadêmica, com seus métodos e a sua contribuição para resolver problemas complexos da realidade, com as ciências dos indígenas, dos quilombolas, dos outros povos tradicionais”. São eles, em sua opinião, que, de fato, enfrentam mais diretamente, por exemplo, os problemas com a mudança climática.
Quem veio
Para a Troca vieram caravanas de cidades de Minas, do Rio de Janeiro, de São Paulo e até de Goiás, trazendo agricultores, agricultoras, representantes de movimentos sociais e de diversas organizações e do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. Vieram também jovens de cinco escolas agrícolas. Ao todo, cerca de 550 pessoas se inscreveram para o evento que, este ano, se orgulha em oferecer aos participantes refeições preparadas com 100% de alimentos orgânicos e agroecológicos. O que em outras edições havia faltado no cardápio para chegar aos 100%, a organização da Troca conseguiu em 2024 com a rede de economia solidária. Até o fim do evento, serão quase 3,5 toneladas de alimentos servidos no Restaurante Universitário 2 do campus Viçosa, segundo Camila Raimunda Carvalho dos Santos, bolsista técnica do Núcleo de Educação do Campo e Agroecologia da UFV e uma das organizadoras da 15ª Troca de Saberes.
Como tradicionalmente acontece, muitos agricultores e agricultoras trouxeram em suas bagagens mudas e sementes crioulas, adaptadas às condições ambientais do local onde surgiram, para trocar ou doar, com o objetivo de serem replantadas para preservar a biodiversidade e a história. São os guardiões de sementes e mudas que estão em suas famílias há muito tempo. Algumas dessas mudas fizeram parte do “Memorial dos Encantados”, representando, por meio de etiquetas de identificação, pessoas que tiveram forte ligação com a terra e já morreram, como o poeta Manoel de Barros que, dentre outros, merece ser plantado em forma de árvore.
Entre as que vão levar mudas para casa está a agricultora Hélia Maria Baeça, de Esmeraldas (MG). Ano passado, ela aprendeu a “plantar água” com o Newton Campos, da Associação Plant'Água, do Espírito Santo. Este ano, Hélia voltou para contar a ele que conseguiu fazer a contenção da água da chuva e que as árvores em volta estão agradecendo. Em sua segunda experiência no evento, ela confirma o calor diferente e o acolhimento que a Troca provoca. “A gente conhece outras ideias e fica sabendo que o que está acontecendo com a gente também está acontecendo com outras pessoas.” Hélia, que perdeu o direito de utilizar o rio que irrigava sua plantação de milho verde e sua horta, hoje integra a Rede de Atingidos pela Barragem de Brumadinho.
Da Troca de Saberes ela leva não só mudas, novas ideias e amigos, mas a sensação de que a luta contra a mineração e pela conservação do ecossistema é feita por muitos. “A gente não está só”. E esta luta, quem sabe, poderá evitar situações como as que estão expostas na tenda do “Espaço das infâncias”, organizado pelo CTA, e que estão emocionando tantas pessoas. No meio das imagens e frases, a lembrança de que as “Crises climáticas deixaram 27 milhões de crianças em insegurança alimentar aguda”.
A programação da 15ª Troca de Saberes continua nesta segunda-feira.
Fonte: UFV
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