Inscrições para seleção do Coluni começam nesta terça-feira

Inscrições para seleção do Coluni começam nesta terça-feira
Divulgação/UFV

As inscrições para o exame de seleção 2025 do Coluni/UFV (Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa) têm início a partir das 9 horas da próxima terça-feira (13), com encerramento previsto para às 18 horas do dia 04 de outubro. No total, serão oferecidas 150 vagas para a 1ª série do Ensino Médio.

Todas as informações necessárias aos procedimentos que envolvem o cadastramento da inscrição e o seu acompanhamento, assim como a divulgação das provas, gabaritos e o resultado final deste certame serão disponibilizados no site de Processos Seletivos do CAp-Coluni.

Obra literária

Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, é a obra literária definida pelo Coluni/UFV (Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa) para o seu Exame de Seleção em 2025

Sobre a obra, a jornalista e professora Luana Tolentino, graduada em História, Mestre em Educação pela UFOP, doutoranda em Educação pela UFMG e colunista da revista CartaCapital, traçou o seguinte comentário a partir da temática: “O Brasil profundo em Torto arado, de Itamar Vieira Junior”:

... Ambientado na fictícia Água Negra, povoado do interior da Bahia, o enredo tem como ponto de partida o acidente que marcará para sempre a existência das irmãs Bibiana e Belonísia, que em uma travessura de crianças, tentam descobrir o segredo guardado pela avó Donana em uma mala. Nessa busca, deparam-se com uma faca reluzente, com imponente cabo de marfim, e que dada a luminosidade do metal, causa-lhes fascínio e até o desejo de provar o seu gosto. Surpreendidas pela matriarca da família, em meio ao susto e à falta de manejo com o objeto cortante, acabam decepando a língua de Belonísia, o que lhe impõe uma vida inteira de silêncio.

Ainda assim, é ela, juntamente com a irmã, e ao final uma entidade do jarê, ritual de dança do candomblé caboclo praticado pela população de Água Negra, que nos conduzem ao Brasil profundo. É por meio dessas vozes que nos são apresentadas, de maneira envolvente, a exploração, a fome, a seca, as relações de poder, as ameaças e a violência experimentadas pelos filhos e filhas “da gente forte que atravessou um oceano, que foi separada de sua terra, que deixou para trás sonhos e forjou no desterro uma vida nova e iluminada. Gente que atravessou tudo, suportando a crueldade que lhes foi imposta” (p. 261).

É Bibiana quem nos conta das restrições impostas aos que vivem no Brasil profundo, sem escola, sem perspectivas e sem qualquer tipo de assistência, o que ceifa a possibilidade de meninos e meninas ultrapassarem a primeira infância: "As crianças eram as que mais padeciam: paravam de crescer, ficavam frágeis e por qualquer coisa caíam doentes. Perdi as contas de quantas não resistiram à má alimentação e seguiram sem vida, em cortejo, para o cemitério da Viração. As velas que meu pai acendia para cada criança pareciam não querer permanecer acesas: mesmo sem ventos ou golpes de ar, se apagavam." (p. 69)

Mesmo impedida de falar, Belonísia dá voz aos que, assim como ela, vivem uma vida marcada pelas restrições e senões. Ela nos conta das casas de barro, “sem o tal de banheiro que ninguém tinha mesmo” (p. 95), uma imposição dos donos das fazendas que não suportavam a ideia de que os trabalhadores tivessem moradias que em alguma medida se parecessem com as casas-grandes. A irmã de Bibiana nos traz a dureza da seca que rareava os alimentos e os peixes dos rios, como também dos períodos de abundância de chuvas, que muitas vezes destruíam plantações inteiras.  

É da interdição da fala de Belonísia que ecoa a violência de gênero, uma constante na vida das mulheres do campo, “maltratadas pelo sol e pela seca” (p. 119). Em seu lar, sentiu o desprezo e os abusos psicológicos por parte de Tobias, seu marido, mas se insurgiu quando a ameaça de agressões físicas se fez presente. Para ela, a viuvez chegou como a chuva que vem após um longo período de seca, uma verdadeira bênção. Sozinha, tornou-se protetora e provedora de Maria Cabocla, a quem amou em silêncio.

As pontas e as arestas do romance são aparadas no último capítulo pela entidade do jarê. É ela quem cuida de nos contar segredos ainda não revelados e reviver, ampliar memórias que ficaram para trás. Ao nos conduzir pelo Brasil de dentro, faz emergir os conflitos de terra que trazem medo e morte, com vistas a assegurar os privilégios seculares em detrimento da ascensão de gerações inteiras, que muitas vezes vivem em situações análogas à escravidão. Das palavras da entidade surgem passagens de resistência e luta, que visam a construir novas narrativas para os moradores de Água Negra: “Queriam ter casas de alvenaria. Queriam moradas que não se desfizessem com o tempo e que demarcassem de forma duradoura a relação deles com Água Negra” (p. 255).

Na viagem à Água Negra conduzida por Itamar Vieira Junior, fica uma certeza: Torto arado é um romance definitivo, como há muito não se via no Brasil.